Há portas que nós não escutamos fechar
junho 19, 2016Algumas pessoas aparecem e nos dão coisas que, cedo ou tarde, descobriremos que não poderemos mais viver sem. Não se trata de bons presentes, dinheiro ou um IPhone 6S, trata-se de uma boa companhia, da possibilidade de se ter uma conversa sincera sobre qualquer coisa, de liberdade - em seus aspectos mais amplos - e daquele abraço silencioso que conforta a alma.
Essas coisas fazem o coração ficar quentinho, aconchegado. Por um instante, quando temos estas coisas, estamos completamente seguros e nada mais se faz necessário: esquecemos que o celular está vibrando, que o Facebook existe e que o arroz está cozinhando.
Ah, e como vale a pena queimar o arroz por estas coisas. Vale até mesmo queimar o feijão - que já vale os olhos da cara - para aproveitá-las.
Mas um dia, às vezes, essas pessoas precisam ir embora mais cedo. Elas dizem que é por causa da chuva que se aproxima e que molhará a roupa esquecida no varal, mas no fundo a gente sabe que é o apetite dela por nós diminuindo.
Aí nós ficamos encucados, torramos os neurônios tentando descobrir o que fizemos de errado para depois não descobrirmos nadinha. Só não nos damos conta de que não descobrimos a razão da pressa porque não há razão alguma, pelo menos não uma pela qual devemos nos culpar.
Acontece que tem ser humano que é um bixo estranho, talvez alguns até sejam parentes distantes das sanguessugas, já que vêm e sugam o que podem para depois sumirem, e quando isso acontece vão fechando a porta devagar para não ouvirmos o barulho dela encostando.
Um dia a gente acorda e vê que está tudo meio cinza, meio coisado, meio "sei lá". Parece que há oceanos de distância nos separando daquilo que já havíamos nos habituado a ter, e aí temos de achar coragem para desistir. Às vezes procuramos tanto por ela que até o pote de açúcar parece ser um bom lugar para procurar. É desesperador. É um saco.
Perder o celular deve doer muito menos do que perder uma companhia dessas. E, sinceramente, se eu pudesse escolher sempre acabaria ficando sem celular.
Mas vejamos, eu e você temos nosso celular em mãos agora, e isso significa que só nos resta ajeitar a bagunça, varrer a sujeira para baixo dos tapetes e esperar que alguém escancare a porta novamente e nunca mais, nunca mais mesmo, precise fechá-la aos poucos para não fazer barulho.
Vamos ter de esperar por alguém que só queira fechar a porta para não ter que sair ou deixar mais ninguém entrando lá para deixar louça suja na pia.
Se vale a pena esperar tanto eu não sei, o que eu sei até agora é que a vida é isso: a gente ainda vai queimar muito arroz atoa e ter de se conformar com muito celular não perdido até que a espera acabe.
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